“Neste último final de semana assisti uma animação mais antiga da Pixar, o Viva a Vida. Tendo a festa para os mortos, tradicional no México, como mote, o filme trata com muita sensibilidade os dramas transgeracionais e o criativo processo de resgate que as gerações mais novas podem desencadear através da inclusão do que foi, pela dor e trauma, excluído no passado. Um ponto tocou em especial meu coração. Os mortos que deixavam de ser lembrados pelas gerações seguintes acabavam desaparecendo para todo o sempre. Ao ser lembrado e homenageado, os familiares que estão no outro lado da vida, continuam presentes e ativos no sistema familiar. Uma maravilhosa metáfora sobre a continuidade da vida através de permanecer vivo nas memórias de seus descendentes.
Será que o mesmo acontece com as pessoas que se tornaram parte de nossas vidas por terem escrito e compartilhado seus conhecimentos? Será que ao ler, estudar, ensinar o que aprendi com a Fanita ela seguirá viva no plano espiritual?
Gosto de imaginar que sim! Que cada vez que lemos seus textos, discutimos suas ideias, praticamos seus métodos de psicoterapia, estamos alimentando seu Ser e mantendo viva sua contribuição para o campo da Análise Transacional e suas múltiplas aplicações. Fanita faz parte de nossa familia Transacional. Uma voz plena de confiança na vida, na capacidade criativa do ser humano, nas nossas possibilidades de criar a partir das adversidades.
No meu altar, tens um lugar especial querida Fanita! Gratidão por tanto que ensinaste.”
Márcia Beatriz Bertuol – Didata na área Clínica
“Celebrar a vida de Fanita English é uma jornada de tirar o fôlego. Aquela menininha judia nasceu em 22 de outubro de 1916, poucos meses antes da Romênia entrar na primeira grande guerra, aos cinco anos foi para a Turquia e que aos 15 era secretaria nos Estúdios Warner Brothers e Bucareste e depois em Paris. Em Paris foi aluna de Jean Piaget, recebeu a certificação em Psicologia na Sorbonne (Paris), fez o treinamento de Psicanálise no Instituto de Psicanálise de Paris. Ela se descrevia como cigana e seus passos vão confirmando uma vida nômade. De Paris migra para os Estados Unidos, estuda em Nebraska, faz mestrado em Serviço Social na Pensivânia, aprofunda em desenvolvimento mental e cuidados infantis na Columbia University em Nova York.
Sentada frente ao meu notebook, neste momento já quase sem fôlego pelos acontecimentos em rápida sucessão desta mulher extraordinária, começo a ligar os pontos entre os conceitos com os quais ela contribuiu para a teoria da AT e a riqueza das suas experiências. Como Psicanalista em 1949 ela era diretora executiva da Alexandria Family Service Agency em Washington. Anos depois em Chicago, ela dirigia uma instituição para crianças com problemas emocionais, também atuando como analista infantil.
Nos anos sessenta ela encontra a Análise Transacional. Seu propósito era oferecer um melhor atendimento & tratamento para as pessoas que ela atendia. Completou seu treinamento em Psicanálise e Gestalt terapia com Fritz Perls, fez um treinamento de Análise Transacional com Eric Berne e David Kupfer. Como aluna do Dr. Eric Berne colocou as quatro posições existenciais em um contexto psicológico e ela acrescentou uma quinta: Eu estou OK – Você está OK realista.
Consigo imaginar os diálogos acalorados destes dois, quase ouço (e para fortalecer a imaginação fui ao YouTube para escutar um e outra). Imagino o quadro de referência prenhe de experiência e o desejo de contribuir desta mulher extraordinária. Que conciliou este tango estupendo de atividades com marido, filha e as vicissitudes comuns da sobrevivência.
Ela foi reconhecida pela comunidade de Analistas Transacionais com o Prêmio Eric Berne pelo seu trabalho com os Sentimentos Disfarce e com o Fanita English Lifetime Achievement Award.
Os temas apresentados por ela, nos seus papéis e artigos são instigantes, me convidaram como estudante a pesquisar e a pesquisar e a pesquisar. Agora no papel de Didata convido meus alunos a fazer conexões. As propostas dela são modernas, presentemente estudadas em diversas áreas do conhecimento. Preparando-me para escrever este texto, fiz um check dos artigos dela sobre Disfarce com a obra de Susan David, uma phd em psicologia da Harvard University. Elas dialogam, se complementam, enriquece o entendimento tão multifacetado do trânsito emoção-sentimento-pensamento-disfarce-razão, oferecendo entendimentos e combinações vivas como em um mosaico orgânico.
Quando Marília voltou de um encontro presencial com ela eu queria saber de tudo. Tudo. E bebi do entusiasmo da nossa amiga e me senti por lá, por perto. Ler Fanita é passear por um mundo ágil, inteligente, leve, imaginativo. Ela nos apresenta dimensões por onde a AT transita em rápidas conexões. Como um bailado cigano, vibrante, convidativo.
Mantenho meus olhos e ouvidos atentos, cada visita à sua obra é uma viagem. Creio que honrar Fanita é buscar o que ela colocou como objetivo maior: atender melhor, prover saúde àqueles que a buscavam.”
Maku de Almeida – Didata nas áreas Educacional e Organizacional
“Sobre a notória Analista Transacional Fanita English, quero compartilhar aqui uma linda experiência que tive com ela.
Quando a conheci, em seu lar em San Mateo na California, já tinha seus 100 anos e estava lúcida e cheia de vida, movia-se em sua cadeira de rodas motorizada dona do próprio nariz. Ela exercia sua Autonomia e fazia o que necessitava sem se entregar aos limites de movimento que seu corpo lhe impunha. Ela andava pela sala, na cadeira de rodas, retirando livros das estantes e nos oferecendo de presente a mim e minha filha Luciana. Entre esses livros, estavam uma cópia de Sex in Human Loving (Eric Berne) com suas anotações pessoais sobre teorias, concordâncias e divergências a respeito da teoria de Script de Vida. Nos deu ainda outros volumes sobre histórias de deusas, musas e mitos que a influenciaram na criação de alguns conceitos que constam no artigo “Poder, Energia Mental e Inércia”.
Luciana e eu estávamos embebecidas com tanta vida e generosidade. Conversamos longamente sobre as histórias e narrativas do Script. Ela nos contou sobre suas experiências de infância com os ciganos na Turquia. Cresceu em meio a grupos de ciganos em Istambul que viajavam pela Ásia Ocidental e Europa. As mulheres lhe pareciam fortes e independentes, não pertencentes a um único lugar, mas a todos os lugares ao mesmo tempo. A pequena Fanita se encantava toda vez que via uma cigana lendo a mão de uma pessoa e recebendo em troca uma moeda de ouro. Essas imagens foram compondo e integrando suas experiências de infância e, portanto, seu Script.
Em seguida, ela falou: “E não é isso que faço? Viajo mundo a fora, principalmente a Europa, ‘lendo as mãos das pessoas’ e recebendo moedas em troca? Essas experiências compõem meu Script e foram valiosas para minha vida”. Mrs. English, nascida na Romênia, criada na Turquia, formada pela Sorbonne e naturalizada americana, se denominava cidadã do mundo, sem uma nacionalidade específica; não pertencia a lugar algum e a todos ao mesmo tempo.
Mrs. English fez sua passagem no dia 20 de janeiro. Fanita, uma mulher extraordinária, viveu até o último dia de sua existência com autonomia e autenticidade. Sinto-me honrada e grata pelo encontro de nossas vidas e por nosso laço pela AT. Que você continue sua jornada cigana no plano em que estiver neste momento.”
Marília Pereira – Didata na área Clínica |