HOMENAGEM A ROSA KRAUZ
Junto com o aniversário de Eric Berne (10/05), comemoramos também o aniversário de Rosa Krauz (22/04), fundadora da Unat-Brasil e criadora da nossa Rebat.
Rosa nos brinda com uma entrevista especial.
Regina Berard: Acontecerá em breve no Link Center-Londres, um evento sobre sua contribuição para a Análise Transacional Aplicada às Organizações. Conte-nos sobre este evento.
Rosa: Será um workshop sobre os meus artigos publicados no TAJ (Transactional Analysis Journal) desde 1980 dentre os quais dois receberam o Prêmio Eric Berne em 2012.
Como a entidade organizadora informa, será uma caminhada pelo pensamento que tem orientado meu trabalho desde os seus primórdios quando a formação dos analistas transacionais não clínicos ainda era denominada de Special Fields pela ITAA. Meu objetivo sempre foi aplicar a teoria, respeitando os princípios e fronteiras da AT não clínica, partilhando minha experiência com os colegas e treinandos. Este workshop será conduzido por alguém do Link Center, com base no conjunto de artigos publicados.
Lembro que Berne utilizou o termo psiquiatria social definindo-o inicialmente como “ o estudo dos aspectos psiquiátricos de certas transações que acontecem entre duas ou mais pessoas. (AT em Psicoterapia, Prefácio). Pouco tempo depois, em Estrutura e Dinâmica das Organizações e dos Grupos, escreve ele no prefácio, “ o objetivo do autor é oferecer um quadro de referência sistemático para a terapia de grupos e organizações enfermas. Como podemos observar trata-se uma abordagem ainda marcada pela visão clínica.
Ao partir do princípio que grupos e organizações não são enfermos, embora possam ser disfuncionais, busquei utilizar a teoria da AT como um “quadro de referência sistemático” para entender a dinâmica dos relacionamentos que ocorrem nas organizações. Outro objetivo foi buscar alternativas possíveis para eliminar/minimizar tais disfunções através de intervenções de aprendizagem e desenvolvimento geradoras de mudanças de caráter tanto individual, como grupal e organizacional. Um cuidado sempre presente foi o de não ultrapassar os limites da competência e da ética do Analista Transacional Organizacional.
Entendo que este é o objetivo do citado workshop e espero que beneficiará os participantes no sentido de enfatizar as especificidades da nossa área de atuação, evitando que analistas transacionais organizações ultrapassem as fronteiras de seu campo de aplicação.
Regina Berard: Conte-nos sobre sua trajetória como fundadora da UNAT-Brasil e criadora da REBAT
Rosa: A criação da UNAT- Brasil foi um movimento voltado para a autonomia dos Analistas Transacionais Brasileiros. Como registrei no meu artigo, Após Quatro Décadas, Haverá um Futuro para a Análise Transacional no Brasil? (REBAT, 2004, p. 109-119) abordo o tema fundação UNAT-Brasil. Posso dizer que foi um desafio, pois havia um grupo de pessoas contra esta proposta. Na Assembleia durante o Congresso anual de AT realizado em Salvador, (Bahia) em1985 discutiu-se e debateu-se intensamente com os presentes durante 15 horas a proposta da criação de um entidade brasileira de analistas transacionais, formadora e, certificadora destes profissionais em três áreas: clínica, organizacional e educacional. A proposta foi finalmente aprovada, sendo eleita a primeira diretoria, da qual tive a honra de ser a primeira presidente. Esta diretoria tomou posse um ano depois e sua primeira providência foi redigir e aprovar os Estatutos e o Manual de Formação dos Analistas Transacionais desta nova entidade. Estes documentos passaram a ser o fundamento da identidade jurídica e comunitária de um grupo profissional, além de gerar relacionamentos contratuais claros e propícias para a coesão, competência e participação dos seus membros.
Quanto a REBAT, esta surgiu para atender três condições importantes. A primeira refere-se a necessidade de atualização constante de nossos associados através das novas contribuições à AT a nível mundial. A única Revista existente era o TAJ, editado somente em inglês, língua que nem todos os analistas transacionais formados ou em formação dominam. A segunda refere-se a importância de contarmos com uma revista especializada que, além de publicar artigos relevantes de colegas do exterior, passou a ser um meio de divulgação de trabalhos de analistas transacionais brasileiros, incentivando assim tanto estudiosos, quanto pesquisadores. A terceira foi a de incentivar o intercâmbio e colocar a UNAT-BRASIL no mapa-mundi da associações nacionais, uma das poucas a publicar regularmente uma revista de AT.
Convém lembrar que a REBAT possui ISSN, registro concedido a Revistas de caráter científico pelo Ministério de Educação. Tive a honra e a satisfação de atuar como Editora da REBAT durante mais de 20 anos, entre 1988 e 2010.
Regina Berard: Diante da Pandemia, transformação digital, home office, novos modelos de gestão de comando e controle para autonomia, quais as contribuições da AT para as organizações neste momento?
Rosa: Processos de mudança rápida, como a que estamos vivenciando nas últimas décadas, exigem uma base de segurança psicosocial que gere um mínimo de estabilidade capaz de neutralizar a turbulência do ambiente. Entendemos que um ingrediente fundamental é a Oqueidade, um conceito berniano básico, que sintetiza uma postura construtiva, fruto do empoderamento , do autoconhecimento, da consciência plena de nossas forças e limitações, da solidariedade, cooperação, auto- respeito, noção clara de interdependência e da necessidade de dar, receber e incorporar toques positivos autênticos que alimentam o estar bem consigo mesmo, com os outros e com o mundo a nossa volta.
A AT nos oferece algumas contribuições:
1. Além de uma teoria do comportamento humano é também uma filosofia de vida humanística. Como afirmam Clarckson e Gilbert “ a AT integra a dinâmica intrapsíquica com o comportamento interpessoal”. A AT parte do princípio que todo o ser humano tem o potencial para tornar-se autônomo e a autonomia transforma organizações em comunidades de trabalho.
2. Oferece alternativas para estimular, construir e manter um clima organizacional amigável que favorece aprendizagem contínua, desenvolvimento, criatividade, eficácia, inovação, cooperação, sentimento de pertencer, solidariedade, um posicionamento OK/OK que valoriza as pessoas e suas contribuições.
3. Convida as pessoas a repensarem sua visão sobre comportamento humano e como este impacta a atuação e o desempenho das pessoas, das equipes e da organização como um todo. Um exemplo é o comportamento dos que ocupam posições de liderança nas organizações e o quanto aspráticas de controle e comando subutilizam o potencial dos colaboradores. A AT poderá ser uma forma de acelerar a introdução de práticas compatíveis com um mundo corporativo no qual estruturas organizacionais gigantescas estão ruindo e os startups leves e ágeis crescem rapidamente através da prática da liderança compartilhada, do trabalho de pequenas equipes coesas e autônomas.
4. Quando adequadamente aplicada às organizações a AT é preventiva, uma forma de evitar/eliminar disfunções. Um dos efeitos mais observados é a diminuição dos jogos psicológicos, em particular aqueles que foram incorporados pela cultura da organização e que não só desperdiçam o tempo e a energia das pessoas, como são focos de resistência de mudança do status quo. Um exemplo típico é a frase comumente ouvida nas empresas “mas aqui na empresa sempre foi assim!”.
Regina Berard: Você é uma referência para nós, Analistas Transacionais, principalmente os mais novos, qual sua dica ou conselho para quem está iniciando?
Rosa: Como um membro do grupo que introduziu a AT no Brasil, tive o privilégio de formar inúmeros analistas transacionais durante algumas décadas e considero que a aprendizagem e o desenvolvimento contínuo, tanto pessoal como profissional, é condição sine qua non para expandirmos nossas competências. Isto significa que a certificação é apenas o início de uma jornada que nos torna, a todos, eternos aprendizes. O mundo turbulento no qual vivemos, sujeito a mudanças muitas vezes radicais, imprevisíveis e incontroláveis, exigem flexibilidade, disponibilidade e capacidade de aprender, desaprender e reaprender, um processo contínuo e constante que dura toda uma vida. Assim poderemos não só nos beneficiar das experiências do passado, mas também viver/aprender o aqui e agora e vislumbrar os caminhos alternativos que nos levarão ao futuro.Como nos lembra Berne, somos fruto do nosso passado, mas presente e futuro estão, em boa parte, em nossas mãos. Agir transacionalmente, reconhecer os erros e acertos, as nossas competências e limitações, são algumas das alternativas que viabilizam a conquista da autonomia, da liberação do imenso potencial que permanece intocado em cada ser humano.
Regina Berard: Qual o futuro da AT em sua visão?
Rosa: A atual turbulência mundial tem transformado boa parte da futurologia em palpitologia. Vivemos um momento de transição no qual a sobrevivência da espécie humana está ameaçada. Apesar dos avanços da ciência e da tecnologia, enfrentamos neste momento um inimigo invisível, desconhecido, implacável e persistente.
Adotando uma perspectiva mais otimista, entendo que o futuro da Análise Transacional dependerá do quanto estamos, como comunidade profissional, dispostos a investir no seu crescimento, na sua divulgação e no contínuo desenvolvimento dos Analistas Transacionais e do processo de formação. Para tanto será necessário considerar alguns aspectos. O primeiro é a ausência de pesquisas sistemáticas que evidenciem cientificamente a validade e eficácia da AT. Como afirmou M. Widdowson, ao receber o Prêmio Eric Berne [ver TAJ 48(1), p. 33-42, 2018], referindo-se à área clínica, “Dispomos de alguma evidência sobre a eficácia da AT, mas não o suficiente, precisamos mais” Esta afirmação é válida para as áreas educacional, organizacional e da saúde nas quais encontramo-nos na estaca zero. O segundo fator é a ausência da AT nas instituições de ensino superior, especialmente nos cursos de psicologia, administração e pedagogia que limitam a divulgação da AT e poderão afetar a sua credibilidade no mercado. O terceiro fator diz respeito a Supervisão, uma prática não utilizada em AT que proporciona uma oportunidade de crescimento, desenvolvimento e acompanhamento continuado do Analista Transacional no decorrer de sua carreira.
Apesar da expansão da Análise Transacional a nível mundial, pouco se sabe a respeito dos resultados qualitativos dos processos de formação, atualização e seus resultados nos diferentes países e nas diferentes culturas. Entendo que o futuro desta teoria, bem como da sua aplicação dependerá, em boa parte de pelo menos três fatores:
1. De cada Analista Transacional no que diz respeito a sua formação, expertise, atualização, princípios éticos pessoais e profissionais, elementos cruciais para a imagem desta teoria.
2. Da atuação e desempenho das Associações nacionais e internacionais que estabelecem e administram os processos de seleção, formação e certificação de Analistas Transacionais, uma vez que tais processos são fundamentais da criação e manutenção da imagem pública da AT e da competência dos certificados.
3. Da criação de condições que estimulem as pesquisas sistemáticas e a divulgação de informações adequadas da teoria e das aplicações da AT nas diferentes áreas de atuação.
Contamos com uma comunidade de Analistas Transacionais brasileiros empenhada no seu contínuo crescimento. É uma postura louvável que reflete a preocupação com a permanência. Entretanto é essencial complementa-la sempre com qualidade, profundidade e ética profissional, pois é esta combinação que gera um presente construtivo e um futuro de novas conquistas.
Contamos com cada um (a) de vocês nesta caminhada para o sucesso continuado da AT e dos seus seguidores !! |